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08 julho, 2014

Unknown

Intoxicação: Definição, Causas, Tipos, Sintomas, Diagnóstico, Tratamento, Antídotos, Prevenção

A Toxicologia clinica designa-se como um ramo de toxicologia que se dedica ao estudo dos efeitos tóxicos dos fármacos com o objectivo de tratar, modificar e melhorar ou prevenir os estados de doença causados pelos mesmos.

Numa definição mais ampla inclui-se não só os fármacos, mas também outros produtos químicos utilizados sem fins terapêuticos, tais como a exposição a componentes ambientais (metais) uso de drogas resultantes de comportamentos sociais como drogas ilícitas/de abuso e álcool, subprodutos utilizados no desenvolvimento industrial (gases, hidrocarbonetos e radiação) ou produtos resultantes dos avanços tecnológicos urbanos, suburbanos ou agrícolas (pesticidas), estes embora não sejam classificados como fármacos encontram-se associados a sinais e sintomas reconhecidos e característico de determinadas intoxicações.

O aparecimento e a referência de envenenamentos e venenos são muito antigos, a primeira referência do aparecimento de antidoto aparecem descritas em Odisseia e Shastras ambas são clássicas referencias que datam de 600 a.C. Esta descrito um antidoto específico na Odisseia de Homero “ um inibidor de colinesterases”, que actuava na reversão dos efeitos anticolinérgicos da planta Datura Stramonium. Também Galeno (entre 129 e 200 anos a.C) escreveu 3 livros, onde descreve o desenvolvimento do antidoto universal “ Teriaga ou Alexipharmic”,composto por 36 ingredientes. O mesmo foi desenvolvido e aumentado o seu número de ingredientes para 73. Este encontra-se descrito acerca de 2000 anos.
 
Relativamente à prevenção da absorção intestinal do toxico, as primeiras referências, foram publicadas por Nicander, muito tempo antes das referências da utilização do xarope de ipecacuanha para a indução do vómito por William Piso em 1600. A utilização actual do carvão activado, em inúmeras intoxicações, remonta à época das civilizações romanas e gregas, as propriedades do mesmo foram demonstradas em 1800 por French, este comprovou uma redução da mortalidade quando o mesmo era ingerido e associado a doses potencialmente letais de estricnina e tioxido de arsenio.
 
A Toxicologia clinica e os centros de controlo de venenos evoluíram em paralelo, nos anos 40 alguns países Europeus criaram unidades para o tratamento de utentes envenenados. No início dos anos 50 nos EUA, Louis Gdalman e Edward Press recolheram informações toxicológicas de mais de 9000 produtos e conjuntamente criaram o primeiro centro de controlo de venenos sediado em Chicago. Esta unidade prestava informações telefónicas aos profissionais de saúde e simultaneamente recolhia dados relativamente às intoxicações atendidas.

Em Portugal, o médico Filipe Vaz em 1963 fundou um serviço privado, o SOS centro informativo de intoxicações, que mais tarde forneceu toda a informação ao Instituto Nacional de Emergência Medica (INEM), este instituto criou a 16 de Junho de 1982 o Centro de Informação Antivenenos (CIAV). Actualmente o CIAV consiste num serviço de atendimento ao publico e aos profissionais de saúde, visando uma eficaz e correcta abordagem das vitimas de intoxicação.

Intoxicações

Os agentes tóxicos são substâncias químicas, naturais ou sintéticas, com efeitos nocivos no ser humano. As toxinas entram no organismo por ingestão, inalação, injecção, exposição ocular ou contacto cutâneo.
 
A quantidade de toxinas necessária para produzir sintomas varia consideravelmente em função das substâncias. A exposição pode ser acidental ou voluntaria, e pode estar relacionada com actividade recreativa ou profissional.

O tratamento do doente com intoxicação implica suporte respiratório e hemodinâmico continuado, avaliação detalhada do potencial de toxicose, intervenções no sentido de reduzir a absorção de toxinas e promover a excreção, e terapia específica para a substancia em questão.

Avaliação do doente

Determinar com precisão o agente, ou agentes, envolvido numa situação toxicológica urgente pode revelar-se numa tarefa complexa, devido às inúmeras substancias toxicas.

Os sintomas da exposição a tóxicos podem ser subtis ou drásticos, e variam grandemente consoante o agente causador, a dose e a extensão da exposição. As toxinas podem afectar todos os tecidos do organismo, pelo que os seus efeitos são visíveis em qualquer sistema do organismo.

Examinar o doente atentamente e obter a sua história detalhada, tanto da família ou dos cuidados pré-hospitalares.

Potenciais Efeitos Sistémicos de Substâncias Tóxicas          

  • Sistemas e Efeitos Potenciais      
    • Neurológico
      • Nível de consciência alterado, resposta pupilar anómala, euforia, depressão, confusão, coma, alucinações, agitação, agressividade, convulsões.       
    • Pulmonar   
      • Hiperventilação, desequilíbrio acido-base.        
    • Cardiovascular
      • Taquicardia, bradicardia, disritmias, anomalias de condução, débito cardíaco diminuído, contractilidade alterada e pressão arterial instável.       
    • Gastrointestinal
      • Náuseas, vómitos, diarreia, função hepática anómala e coagulopatias.       
    • Renal/Geniturinário
      • Insuficiência renal e desequilíbrios electrolíticos.

Informações essenciais na avaliação da exposição a tóxicos          

  • Item e Descrição      
    • Substância
      • Confirmar/ verificar o fármaco envolvido. A família pode afirmar que o doente ingeriu acetaminofeno quando na realidade ele ingeriu salicilatos. Questionar a família acerca da medicação habitual do utente.      
    • Tempo de exposição
      • O espaço de tempo decorrido desde a exposição determina os sintomas e o tipo de tratamento.       
    • Aguda ou crónica
      • As exposições agudas apresentam sintomas diferentes, e são tratadas de maneira diferente das exposições cronicas.        
    • Quantidade de toxinas
      • Determinar a quantidade máxima possível, contabilizar os comprimidos que se encontram no frasco e confirmar a data de prescrição da receita.       
    • Sinais e sintomas
      • Avaliar quais os sintomas em todos os sistemas. As toxinas podem afectar qualquer tecido do organismo.       
    • Tratamento anterior
      • Avaliar quais as intervenções por parte de leigos e profissionais de cuidados pré hospitalares. Alguns remédios caseiros podem ser nocivos.       
    • Intencional ou acidental
      • A intoxicação é uma forma de suicídio ou de tentativa do mesmo, muito comum. Inquirir acerca de antecedentes de tentativas de suicídio, ou se existem antecedentes de depressão ou problemas de saúde mental. O homicídio pode envolver intoxicação.      

Intervenção Geral

A estabilização das vias aéreas, da respiração e da circulação é a primeira prioridade dos cuidados a prestar à pessoa que apresenta urgência toxicológica. Proteger as vias aéreas, certificar-se de que a oxigenação e a ventilação são adequadas, e proporcionar suporte do sistema cardiovascular, ao mesmo tempo que evidenciam-se esforços no sentido de identificar a toxina específica envolvida.

As intervenções passam por medidas tao simples como posicionar o doente, administrar O2 suplementar e fluidos orais. Em exposições mais significativas poderá ser necessário entubação endotraqueal, ventilação mecânica e medicamentos vasoactivos.

Existem variações significativas no tratamento toxicológico, de acordo com a substancia em questão; porem, a necessidade de garantir a segurança do doente e de proporcionar apoio psicológico é comum a todas as urgências toxicológicas. Para além dos aspectos da segurança e do apoio psicológico, o tratamento centra-se:
  1. Redução da absorção de toxinas,
  2. Aumento da eliminação das substâncias,
  3. Intervenções específicas na presença da toxina.

Redução da absorção:

  • Via cutânea: 
    • Remover a roupa contaminada e proceder à lavagem da pele com água e sabão.
  • Via ocular: 
    • Lavar com soro fisiológico, ou água corrente durante 10 a 15 minutos, abrindo as pálpebras.
  • Via inalatória: 
    • Transportar o doente do local, remover as roupas contaminadas mantendo a vítima aquecida e administrar oxigénio.
  • Picada de animal:
    •  Imobilizar a zona atingida, desinfectar o local da picada e se viável aplicar gelo, à excepção da picada de peixe-aranha na qual deve ser aplicado localmente calor.
  • Via digestiva: 
    • Indução mecânica dos vómitos ou lavagem/aspiração gástrica, de forma a promover o esvaziamento gástrico (administração de carvão activado).

Aumento da eliminação

São realizadas técnicas que visam a aumentar a eliminação toxico pela excreção de urina como por exemplo: Nas intoxicações por salicilatos e diurese alcalina ou a remoção através de métodos dialítico exemplo pela hemodialise nas intoxicações por lítio, salicilatos, etileno glicol e metanol. A hemoperfusão é utilizada nas intoxicações por teofilina, carbamazepina e paraquato.

Antídotos

  • Anticolinérgicos: Fisiostigmina      
  • Atropina: Inibidores das Colinesterases      
  • Digibin (Anticorpos Anti-digoxina):  Digoxina      
  • Flumazenil: Benzodiazepinas      
  • Fomepizole: Etilenoglicol      
  • N-Acetilcisteína (NAC): Paracetamol      
  • Naloxona: Opiáceos      
  • Oxigénio: Monóxido de Carbono.    

Intervenções Específicas por Toxinas

Tóxico, Actuação/Tratamento      

Benzodiazepinas

  • Doses toxicas- variáveis em função da substancia (hipnóticos e ansiolíticos).
  • Efeitos- Coma, sonolência, hipotensão e depressão respiratória dependendo da dose e do tipo de substancia.     
  • Tratamento- Lavagem gástrica e carvão activado, se indicado. 
  • Antidoto- Flumazenil.      

Antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, doxepina, imipramina e nortriptilina).

  • Doses toxicas – Ingestão de 10 a 20mg por kilo, pode determinar intoxicação grave. 
  • Efeitos – Midriase, rubor fácial, hipertermia, retenção urinária, diminuição da motilidade intestinal, ataxia, prostração, alucinações, convulsões, coma, rigidez muscular, taquicardia, disritmias ventriculares, bloqueios do ramo, alargamento QRS, aumento do QT, depressão respiratória.
  • Tratamento – Lavagem gástrica e carvão activado. Se alterações da condução cardíaca ou arritmias ventriculares (torsade de pointes), bicabornato de sódio para manutenção de Ph sanguíneo entre 7.45 e 7.55. Convulsão (diazepam). 
  • Nota: Intoxicações mistas (antidepressivos tricíclicos, benzodiazepinas deve evitar-se o flumazenil.     

Paraquato

  • Doses toxicas: Hérbicida em que a ingestão de 20ml de solução a 20% pode ser fatal. 
  • Efeitos: Cáustico para as membranas mucosas, náuseas, vómitos, Insuficiência hepática e renal nas primeiras 24 a 48H, evolução para fibrose pulmonar entre 12 a 15 dias após ingestão. Não tem absorção cutânea.
  • Tratamento:lavagem gástrica com carvão activado, NÃO administrar O2. 
  • Indicar para UCI: realização de hemoperfusão nas primeiras 2H.      

Inibidores das colinesterases

  • Doses toxicas: variáveis dependendo da substância em causa.
  • Carbamatos:inibidores reversíveis das acetilcolinesterases.
  • Organofosfatos: inibidores irreversíveis da acetilcolinesterases.
  • Efeitos: Muscurinicos - cialorreia, lacrimejo, sudorese, broncorreia, bradicardia e miose. Nicotinicos - Fasciculações, taquicardia e midríase. Após exposição a organofosforados, passados dias ou semanas pode surgir neuropatia periférica.
  •  Tratamento: 1) Segurança de toda a equipa de saúde (lavagem com água e sabão para evitar exposição); 2) ABCD; 3) Se convulsões (Dizepam); 4) Lavagem gástrica com carvão activado;
  • 5) Atropina:  
    • a. dose inicial: 2 mg (6 mg se risco de vida) EV;
    •  b. repetir cada 15 minutos, até atropinização;
    • c. sinais de atropinização: midríase, xerostomia, taquicardia, ausência de secreções à auscultação (principal sinal);
    • d. perfusão (frascos de 200 mg/100 mL): perfusão de 1 a 6 mg/h (ambiente hospitalar); 
  • 6. Obidoxima:    
    • a. apenas para as intoxicações por organofosforados (não carbamatos), reativa as colinesterases fosforiladas;
    • b. fármaco não disponivel na carga da VMER/SIV (ambiente hospitalar).      

Opiáceos:

  • Efeitos – Miose, depressão respiratória,
    depressão SNC, coma.
  • Tratamento – Suporte ventilatório.
  • Antídoto: Naloxona IM/EV, até reverter o quadro (max. 2,0 mg, SC, IM, endotraqueal, intranasal).      
Cocaína:
  • Efeitos – Fase inicial estimulação do SNC: agitação, alucinações, dor torácica,  taquicardia, palpitações, hipertensão.
  • Intoxicação grave: convulsões, hipertermia,  rabdomiólise, insuficiência renal, nos casos mais graves disritmias e colapso cardiovascular.    
  • Tratamento –Diazepam. Soros, monitorização ECG, suporte ventilatório conforme a clínica. 
  • Nota: Beta-bloqueantes puros estão contraindicados na intoxicação com cocaína.      

Anfetaminas

Ecstasy (Metilendioximetanfetamina); Ecstasy liquido(Y'-Hidroxibutirato); Speed (Metanfetamina); Ice (Metcatinona)].
  • Efeitos – Estimulantes do SNC. Taquicardia, hipertensão, palpitações, dor torácica, disritmias, hipertermia, sudorese, desidratação,  agitação, comportamento psicótico, convulsões,  coma, rabdomiólise, insuficiência renal. 
  • Tratamento – Lavagem gástrica e carvão ativado se indicado. Redução dos estímulos externos(ambiente calmo), agitação, convulsões: diazepam. Arrefecimento externo.      

Monoxido de carbono

  • Doses tóxicas – Diretamente dependente do  tempo de exposição e da concentração inalada. Afinidade para a hemoglobina cerca de 250  vezes superior à do oxigénio.
  • Efeitos – Sintomas em função da %  carboxihemoglobina no sangue:
    • 20-40% - náuseas, vómitos, cefaleias, confusão mental, diminuição da acuidade  visual;
    • 40-60% - ataxia, convulsões, taquipneia, EAP, hipotensão, taquicardia, alterações do ST, disritmias, cianose, acidose metabólica,  rabdomiólise.
    • 60% - coma, morte.
  • Tratamento – Antídoto: Oxigénio.
Tratamento sintomático e de suporte.
  • Nota: Indicação para oxigénio hiperbárico: coma, convulsões, défices neurológicos, disritmias, acidose metabólica grave ou persistente, gravidez.     


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